quarta-feira, 7 de abril de 2010

MANIFESTO EM DEFESA DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA E DA OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

MANIFESTO EM DEFESA DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA E DA OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Considerando ser inconcebível que, no estágio atual de desenvolvimento do Direito Ambiental no Brasil, venha a ser proposta a revogação do Código Florestal,
Considerando que o Código Florestal ainda constitui o mais importante diploma legal apto a proteger o que resta de florestas e matas
ciliares no país,
Considerando que a população brasileira ainda não se recuperou do trauma provocado pelos desastres ocorridos em diversas regiões do país (caso de Santa Catarina e da região de Angra dos Reis e Paraty), em encostas de morros e margens de rios, ocupadas em desacordo com a legislação que se pretende revogar,
Considerando que a redução das restrições e a diminuição de áreas em situação de preservação permanente e de reserva legal representa a promoção de processos de uso e ocupação do solo que agravarão a fragmentação de florestas nativas, os efeitos de borda sobre as áreas de remanescentes florestais, a depauperação das populações da fauna nativa, que inclui espécies ameaçadas de extinção, a supressão de vegetação em diferentes estágios sucessionais, a ruptura de corredores ecológicos e o impedimento ou a imposição de dificuldades para a regeneração natural da vegetação, além de perdas de áreas com potencial para restauração de ecossistemas,
Considerando que hoje, com todos os desafios a enfrentar para assegurar-lhes a efetividade, o Código Florestal Brasileiro e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente são as principais garantias que o povo brasileiro tem para a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito humano fundamental e bem essencial à nossa sadia qualidade de vida,
Considerando que a discussão de projetos de lei a propósito dessas matérias não pode ser feita atabalhoadamente e exige consultas públicas na quantidade e distribuição geográfica que o tema exige, dando-se assim a devida informação sobre os aspectos técnicos e
jurídicos envolvidos, sem o que estará sendo gravemente maculado o princípio da democracia participativa e desprezada a governança
ambiental em nosso país,
Considerando que somente hoje começa a jurisprudência pátria a se orientar no sentido da adoção das teses da Advocacia Pública em defesa da plenitude do princípio da função social da propriedade em sua dimensão ambiental,
Considerando, por fim, que revogar esta legislação significará adotar padrões mais retrógrados do que os do antigo Código Florestal de 1934, com gravíssimas conseqüências para as presentes e futuras gerações, não só do Brasil como de toda a América do Sul,
O IBAP - INSTITUTO BRASILEIRO DE ADVOCACIA PÚBLICA, organização não governamental formada por advogados públicos de todos os níveis da Federação e voltada à promoção da justiça ambiental, da igualdade de gênero, da democracia participativa e da cidadania plena, vem a público manifestar-se sobre os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, visando à reforma da legislação ambiental, todos apensos ao PL n. 1.876/99, nos seguintes moldes:
01. Referidos Projetos de Lei, a pretexto de criar um "Código Ambiental Brasileiro", constituem a mais grave ameaça de retrocesso da legislação ambiental brasileira enfrentada desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (Estocolmo/1972).
02. Esta ameaça ocorre num momento que a humanidade se defronta com desafios da maior relevância na área ambiental, como as mudanças climáticas, a escassez de água doce, a crise da biodiversidade e a perda de terras férteis, vítima de cada vez mais freqüentes tragédias ecológicas, de que são exemplos as inundações nas cidades.
03. Os projetos de lei em tramitação têm como objetivo a remoção dos "entraves ao desenvolvimento rural" – leia-se, a revogação de nosso sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, sob o frágil argumento de que constituem invenção dos ambientalistas, ignorando que os códigos brasileiros sobre o assunto foram feitos pelo Ministério da Agricultura, inclusive o atual, elaborado em 1965, sob orientação dos mais renomados especialistas da época.
04. Estas ameaças à legislação ambiental ocorrem quando os tribunais, acolhendo as teses da Advocacia Pública – notadamente da Procuradoria do IBAMA e das Procuradorias Gerais de Estados e Municípios e das Defensorias Públicas localizadas em regiões que contam com remanescentes de importantes biomas como a Mata Atlântica, o Pantanal Matogrossense, a Floresta Amazônica e a Caatinga –, começaram a considerar legais as limitações à propriedade visando à proteção da biodiversidade. Assim, o que está em jogo é a própria história de luta da Advocacia Pública pela observância das leis que têm por finalidade a consecução do interesse público em seu mais elevado nível constitucional.
05. Causa particular preocupação o PL 5.367/09, de autoria do Deputado Valdir Colatto, que pretende promover alterações de extrema gravidade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação e na Lei de Crimes Ambientais, no Código Florestal e até mesmo na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), que até então passara incólume, desprezando os instrumentos que colocaram o Brasil como um dos países com a legislação ambiental mais moderna, como os padrões de qualidade ambiental, a avaliação de impacto ambiental, a responsabilidade civil objetiva e tantos outros que vêm resguardar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
06. O PL 5.367/09 acaba com o sistema existente hoje no art. 2º do Código Florestal, de imprescindível resguardo às faixas de vegetação ao longo dos rios, proporcionais à largura desses cursos d'água e, ainda:
a) investe contra o Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA, que deixa de ter caráter deliberativo, passando a ter caráter meramente consultivo, com subordinação ao Presidente da República. Nesse ponto, está maculado por vício de iniciativa já que atribuições de entidades governamentais demandam projeto de iniciativa presidencial (arts. 61, § 1º, e 84, VI, da CF 88);
b) prevê o desaparecimento de todas as regras relativas ao controle de poluição atmosférica, poluição sonora, estudo de impacto ambiental, licenciamento ambiental e centenas de outros temas ambientais que vinham até hoje sendo editadas na forma de Resoluções do CONAMA;
c) cria a figura do licenciamento ambiental compulsório para todo processo que não venha a ser concluído no prazo de 60 (sessenta) dias, numa reedição espúria do procedimento da vetusta figura do decreto-lei da época da ditadura militar. Com isso, inverte a lógica do sistema de proteção ambiental posto no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente amparado nos princípios da prevenção e da precaução;
d) torna fictícia a proteção das APPs formadas por mangues, restingas, topos de morro e várzeas, que passam a chamar-se "áreas frágeis", pois a qualquer momento poderão ser devastadas pela realização de obras a serem licenciadas nos moldes aqui descritos;
e) oferece exemplos de uma lógica caricata, como aquele constante do art. 89 ("Para a busca do meio ambiente ecologicamente equilibrado são indissociáveis o desenvolvimento socioeconômico e o respeito à dignidade humana"), invertendo-se o entendimento hoje consensual em todo o planeta de que a dignidade humana só é alcançada a partir do equilíbrio ecológico do meio ambiente e, portanto, a busca desse equilíbrio não é senão uma condição para que se alcance a dignidade humana;
f) estabelece, de forma bizarra, uma presunção "juris et de jure" de que "as atividades rurais de produção de gêneros alimentícios, vegetal e animal", seriam, sempre, "atividades de interesse social". Cria-se uma verdadeira impunidade do setor ruralista em face do Poder Público. Mesmo que os "gêneros alimentícios" sejam ração para porcos criados na Europa;
g) onera os Cofres Públicos, de modo inconcebível para todos quantos atuem diuturnamente na sua defesa, subvertendo os contornos jurídicos do direito de propriedade rural vigentes em nosso país há pelo menos 45 anos. Extingue a figura da reserva florestal legal e cria a de "reserva legal", instituída e recuperada às expensas dos Cofres Públicos e sujeita a pagamento de aluguel a título de "servidão";
h) em seu art. 85, § 2º, chega ao desplante de propor que as áreas de Reserva Legal, criadas por força do Código Florestal hoje vigente e consolidadas com cobertura florestal nativa na data de edição do projeto de lei "poderão ser descaracterizadas como tal após a definição do percentual mínimo de reservas ambientais no Estado pelo ZEE (Zoneamento Ecológico Econômico), sendo sua conversão de uso limitada pelas normas gerais do uso do solo local". São extintas todas as obrigações dos proprietários rurais de preservar as matas nativas e de recuperá-las, o que é absolutamente inconcebível no sistema de proteção ambiental posto em sede constitucional.
07. O IBAP entende que, se revogada a Lei n. 6.938/81, derruído estará, ao menos no plano infraconstitucional, o princípio basilar do Direito Ambiental, que é o da responsabilidade civil objetiva. Apenas isto é suficiente para se concluir que o PL 5.367/09 acaba com as formas mais importantes de proteção do meio ambiente rural, fraturando a coluna vertebral do Direito Ambiental Brasileiro, que é o princípio do poluidor-pagador. Neste contexto, o projeto é de inequívoca inconstitucionalidade, pois despreza o sistema da tríplice responsabilidade (civil, penal e administrativa) por danos ambientais.
08. Por isso, conclui-se que este PL – assim como os demais apensos ao PL original – é de todo lesivo aos interesses da população brasileira. Afronta a Constituição Federal, bem como declarações, tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil, de que são exemplos a Declaração do Rio de Janeiro, a Convenção da Diversidade Biológica e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, "Protocolo de San Salvador", dentre outros. E, sob a perspectiva parlamentar, atropela o projeto de Consolidação da Legislação Ambiental brasileira que, de maneira ponderada e adequada para o momento político atual, limita-se a trazer para um único corpo legislativo todas as normas ambientais hoje esparsas em centenas de leis.
09. Sendo assim, em defesa da manutenção da legislação ambiental vigente e da plena e imediata recuperação ambiental das áreas de preservação permanente e de reserva legal, dentre outros tópicos, o Instituto Brasileiro de Advocacia Pública une-se aos setores da sociedade civil mobilizados contra as mudanças pretendidas.
Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, 6 de abril de 2010
•Clério Rodrigues da Costa (Procurador do Estado/SP) - Membro do Conselho Consultivo
•Elida Séguin (Defensora Pública/RJ) - Diretora Geral da Escola Superior de Advocacia Pública
•Fernando Walcacer (Procurador do Estado/RJ) - Membro do Conselho Consultivo
•Guilherme José Purvin de Figueiredo (Procurador do Estado/SP) - Presidente
•Jean Jacques Erenberg (Procurador do Estado/SP) - Secretário Geral Nacional
•José Nuzzi Neto (Procurador Autárquico Estadual/SP) - Membro do Conselho Consultivo
•Lindamir Monteiro da Silva (Procuradora do Estado/SP) - Coordenadora Financeira
•Luciane Martins de Araujo Mascarenhas (Advogada da CEF-GO) - Membro do Conselho Consultivo
•Lucíola Cabral (Procuradora do Município de Fortaleza/CE) - Membro do Conselho Consultivo
•Luiz Henrique Antunes Alochio (Procurador do Município de Vitória) - Membro do Conselho Consultivo
•Márcia Diegues Leuzinger (Procuradora do Estado/PR) - Coordenadora da Região Centro-Oeste
•Marise Costa de Souza Duarte (Procuradora do Município de Natal/RN) - Coordenadora da Região Nordeste
•Ricardo Antonio Lucas Camargo (Procurador do Estado/RS) - Membro do Conselho Consultivo
•Rogério Emílio de Andrade (Advogado da União/SP) - Vice-Presidente
•Sérgio Sant'Anna (Procurador Federal/RJ) - Coordenador Financeiro
•Tiago Fensterseifer (Defensor Público Estadual/SP) - Membro do Conselho Consultivo
Enviado por: Pedro Telmo

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