sábado, 31 de outubro de 2009

IR AO SUPERMERCADO É FAZER POLÍTICA

Ir ao SUPERMERCADO é fazer POLÍTICA
Por Samantha Buglione

Um ato político é aquele que visa um fim, e mesmo quando não sabemos disso ou de explícita vontade não estamos preocupados com isso, nosso atos pode ser político. Falar que o 'supermercado é político' é dizer que um dos atos mais privados dos atos, o de buscar alimento e garantir necessidades primárias, não se encerra na hora de pagar a conta e provoca, sempre, conseqüências.
A escolha do produto até pode se dar por razões econômicas, busca de qualidade ou, ainda, ideologia. Contudo, ao escolher determinado produto também se escolhe, querendo ou não, uma forma de produção, um tipo de relação de trabalho, um determinado impacto ambiental.
Em suma, comprar algo é trazer para casa, além do produto, a sua cadeia de fabricação e as suas conseqüências. Ignorar esses fatores é se proteger de duas conseqüências do conhecimento: liberdade e responsabilidade. Nenhuma compra. Absolutamente nenhuma, se encerra no ato da nossa compra.
Tempos atrás, o politikon zoon, o animal político, se expressava nas praças, a ação política era uma ação que visava pensar as coisas da cidade. Hoje, talvez um tanto transfigurados com a revolução industrial, com o capitalismo de impacto e com a perda sucessiva de espaços públicos, como as praças e os grandes condomínios fechados, que nossa ação política ficou atrelada às nossas ações de consumo. É possível dizer que hoje somos muito mais um animal de consumo, no sentido de animal laborants de Hannah Arendt, do que seres políticos. Mas, mesmo nesse bicho que (só) consome, nesse ato desenfreado na busca de suprir necessidades infindáveis, talvez sem perceber, ali, silenciosamente, somos cúmplices ou não do que não sabemos, ou, não queremos saber. Consumir torna-se nossa prática política.
O fato é que consumir algo é escolher um padrão de produção; e um padrão de produção é uma forma de relação de trabalho, de lidar com a terra, de pensar o meio ambiente. Quando escolhemos o produto "a" ou "b" escolhemos juntos tudo isso e é isso que levamos para casa.
Dados de recentes pesquisas demonstraram que produtos orgânicos, por exemplo, possuem mais nutrientes que os alimentos da produção linear. Ou seja, não é apenas uma questão de quantidade, mas de qualidade. Pode até ser que a agricultura orgânica não produza tanto quanto a linear, mas alimenta mais.
O artigo "Comparação da Qualidade Nutricional de frutas, hortaliças e grãos orgânicos e convencionais", publicado no jornal de Medicina Alternativa, relata que produtos orgânicos, em média, contêm 29,3%, mais Magnésio, 27% mais Vitamina C, 21% mais Ferro, 26% mais Cálcio, 11% mais Cobre, 42% mais Manganês, 9% mais Potássio e 15% menos nitratos.
INDO MAIS ALÉM, CONFORME RELATÓRIO DO "ENVIRONMENTAL GROUP", ATUALMENTE, AO COMPLETAR UM ANO DE VIDA UMA CRIANÇA JÁ RECEBEU, POR CONTA DO CONSUMO DE ALIMENTOS CONVENCIONAIS, A DOSAGEM MÁXIMA ACEITÁVEL PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE DE OITO PESTICIDAS ALTAMENTE CARCINOGÊNICOS PARA UMA VIDA INTEIRA.
Além das questões nutricionais, alimentos orgânicos e algumas produções de agricultura familiar contribuem para a empregabilidade no campo. O que evita o êxodo rural e, por conseqüência, o aumento das favelas em centros urbanos. Infelizmente a agricultura familiar, parte dela, foi seduzida pelas promessas de grandes ganhos advindos, por exemplo, de tecnologias químicas, como os agrotóxicos, perdendo suas características originais. Assim, nem sempre o produto da agricultura familiar é o mais saudável, mas, de qualquer forma, emprega mais que a produção linear.
Esse é um dado importante. Porque quem, de fato, produz alimento para o brasileiro não é a produção convencional ou linear ou o agronegócio, mas é essa agricultura familiar e orgânica. Mais da metade do feijão vem da produção familiar que, em boa parte também é orgânica; no caso do arroz, mais de um terço e, da mandioca, 90%. Essas são algumas informações que demonstram a importância do setor na economia brasileira, um setor responsável por uma média de 10% do Produto Interno Bruto nacional, conforme dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.
E mais, o que realmente alimenta é a produção de grãos, vegetais e hortaliças. A carne de suínos, aves e bovinos não é o alimento mais completo em nutrientes ou que vai estar na mesa de todos os brasileiros. O Brasil é o campeão de exportações de carnes. Santa Catarina, por exemplo, orgulha-se dos seus números de suínos e aves. No entanto, ao exportar a carne produzida por aqui também se exporta a água potável, os milhares de hectares utilizados para alimentar os animais, as florestas queimada, os prejuízos ambientais, a poluição dos aqüíferos. A única coisa que fica são os resíduos.
A Epagri de SC revela que as fezes dos 5,6 milhões de suínos que existem no Estado de Santa Catarina produzem 9,7 toneladas de dióxido de carbono por dia. Para 1kg produzido de carne de suíno ou bovino são gerados o equivalente a 8 kg de excremento. Imagine levar tudo isso para casa ao comprar um inocente pacotinho de presunto para o sanduíche? Não levamos.
Desde 2005, há mais bois e vacas que homens e mulheres, 200milhões de bovinos ocupam um espaço três vezes maior do que toda a área cultivada no país e consomem quatro vezes mais água.
Se for uma questão de aumento da riqueza nacional e de estratégia para matar a fome dos brasileiros a nossa matemática não está bem certa. Afinal, o agronegócio não emprega tanta gente assim. Além disso, os custos ambientais com a poluição de rios, solo, manaciais e emissão de metano são revertidos ou para o preço final do produto, ou para o Estado que terá mais gastos com saúde e políticas para despoluição. Aí, quem paga a conta somo todos nós, querendo ou não, sabendo ou não.
Foi-se o tempo que comprar madioquinha, feijão, ou ovos era só comprar mandioquinha, feijão ou ovos. Quando se leva ovo para casa, o da produção convencional, se está chancelando, incentivando e financiando um processo que trata animais como coisa; que ignora que sentem dor e que possuem uma forma própria de viver a vida. Além de fazê-los viver de forma confinada e sendo alimentados com uma ração que contêm tantos aditivos que os transformam mais em uma pasta química do que em um ser vivo. Nem o peitinho de frango se salva.
Ir ao supermercado é fazer política. É fazer escolhas. É dizer que tipo de produção de alimentos queremos e que tipo de empregos queremos financiar. O ato de escolher e comprar o que se vai consumir pode ser silencioso, mas é muito poderoso, seja ele consciente ou não.

Samantha Buglione é jurista e professora.
Fonte: Orgânicos em revista nº 01 - ano I (setembro/2008)
Enviado por: Thiago Freitas

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