sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Palmito sustentável

Palmito sustentável
Ele é fruto do plantio inteligente, e não da rapina ambiental
- A A +Por Xico Graziano
O Estado de S. Paulo - 09/09/2008

Xico Graziano é secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo e conselheiro do Planeta SustentávelCuidado. O gostoso sabor do palmito pode esconder um amargo crime ambiental. Ladrões da floresta atlântica enfrentam a polícia e sobrevivem graças à negligência do consumidor. Bom seria certificar, no restaurante, a origem da guloseima.
Palmito é o coração das palmeiras, plantas também conhecidas por coqueiros. Os botânicos denominam de meristema apical essa parte mais alta do seu tronco roliço, a gema de crescimento. Desse tecido vegetal, branco e mole, se originam as longas folhas da planta. Ao ser cortado, para servir de alimento, a extração do palmito sentencia à morte a árvore inteira. Decapitada.
Toda palmeira apresenta palmito, embora nem sempre sejam apreciados como alimento. A espécie cujo meristema ganhou maior fama se chama Juçara, uma palmeira nativa da Mata Atlântica. Macio e saboroso, esse palmito explica parte da devastação causada pela ação dos traficantes da mata. Cada tolete de juçara colocado à mesa do consumidor atesta um assassinato da floresta litorânea.
No interior paulista, principalmente nas terras do cerrado do oeste, outra palmeira, a Gariroba, quase acabou dizimada, devido ao amargor supimpa de seu palmito, utilizado numa boa galinhada. Já o Jerivá, esse coqueiro comum cujos cachos se enchem de doces frutinhos amarelos, tem a sorte do palmito insosso. Por isso, resta em paz, agradando à estética e aos verdes periquitos.
A história do palmito na alimentação humana se confunde com o desmatamento do território. A situação começa a mudar quando, recentemente, os agrônomos inventam o cultivo homogêneo das palmeiras, a palmitocultura. Com ajuda do melhoramento genético, selecionam plantas adaptadas às lavouras comerciais, especialmente o açaí, a pupunha e a palmeira real. Aparece assim o palmito sustentável, fruto do plantio inteligente, não da rapina ambiental.
A exploração comercial de palmito da pupunheira, espécie amazônica, mostra a vantagem da precocidade. Plantada a pleno sol, a palmeira recebe o primeiro corte logo aos 18 meses de idade, quando seu palmito apresenta 40 cm de comprimento e bom diâmetro. Seccionado, o caule perfilha em vários filhotes da planta-mãe, elevando a produtividade das colheitas seguintes. Comercializado in natura, virou excelente negócio. Coisa de restaurante chique.
A juçara, ao contrário, detesta sol no período inicial de vida, fato que limita seu cultivo em escala comercial. Sombra e água fresca, solo rico em matéria orgânica, essa é a condição que a natureza sempre lhe ofereceu. Experimentos realizados a partir do plantio sombreado, por debaixo da mata natural, mostram longa espera, perto de 10 anos, para o corte do palmito juçara. Por isso, a recomendação dos órgãos florestais recai sobre seu uso na recuperação das matas ciliares. Ganha a biodiversidade, pois os frutinhos que despencam de seu cacho são muito apreciados pelos animais, pássaros e mamíferos. Ciclo da natureza.
Plantar palmeiras certamente ajuda a combater o assalto da floresta. Muitos pequenos agricultores, especialmente em Goiás, Pará, Bahia e São Paulo, investem no plantio da pupunha. Já em Santa Catarina, o destaque recai na palmeira real, de origem australiana, sempre utilizada como ornamental e, agora, tornada alimento. Sorte da floresta.
Paulista adora palmito. Estima-se que São Paulo consuma 70% do palmito extraído ou produzido no Brasil. As informações nunca se precisam, devido ao comércio ilegal. Apertar a fiscalização policial contra os palmiteiros é imperioso. Os bandidos da floresta se organizam em gangs semelhantes ao crime organizado da metrópole. Jogo duro. Com logística e equipamento adequados, cada ladrão florestal abate até 500 palmeiras por dia. A fraqueza das máfias reside no cozimento do palmito, geralmente efetuado de forma precária, em fábricas sujas e fedorentas escondidas na selva atlântica. Aí mora o perigo do mortal botulismo.
A bactéria Clostridium botulinum encontra condições ideais de reprodução nos vidros dessas nojentas fabriquetas de palmito juçara, produzindo uma toxina terrível para o sistema nervoso. Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, a indústria do palmito ocupa o primeiro lugar entre os estabelecimentos que processam alimentos com risco epidemiológico. Cai fora.
Consumo consciente: uma palavra de ordem. Somente com a ajuda dos apreciadores de palmito se poderá romper esse velho ciclo da rapina ambiental. Como? Cada cidadão exigindo a origem do palmito que mastiga na churrascaria. Pressionando seu fornecedor no restaurante, recusando palmito picado, este sempre suspeito. Jamais comprar aquele palmito in natura na beira da estrada. Na dúvida, não pense duas vezes: evite engolir juçara. Troque-o pelo palmito plantado, sustentável.
Dá para trocar o crime ambiental pela cidadania ecológica. O pulo do gato reside no aproveitamento da polpa, não do palmito, da juçara. Ao invés de derrubar a palmeira inteira, matando-a, colhe-se apenas o cacho, para aproveitar anualmente seu fruto. Várias experiências coordenadas pela Fundação e Instituto Florestal se implementam com comunidades tradicionais no entorno do Parque Estadual da Serra do Mar, mostrando a viabilidade dessa nova aptidão da floresta. Falta escala de consumo, capaz de garantir retorno econômico à atividade.
Açaí na tigela virou moda. Mas a juçara, prima-irmã do açaí, mostra polpa igualmente supimpa, com a vantagem de apresentar quatro vezes mais antocianina, substância que combate radicais livres do organismo. Além disso, a juçara nasce na Mata Atlântica, enquanto o açaí vive na Amazônia.
Vem aí a juçara na cuia.
Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo em 09/09/2008, na página A2.
Enviado por: Thiago Freitas

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