domingo, 19 de abril de 2009

EM MEIO AO CAOS RUIDOSO

EM MEIO AO CAOS RUIDOSO








O professor e arquiteto Marcondes lima discute o descontrole urbano da cidade. Com a ausência de planejamento, o espaço urbano se transforma em um caos ruidoso






Fortaleza não fala. Ela grita.


O crescimento urbano desenfreado, unido por uma falta de planejamento, resulta em uma frequência de poluição sonora exacerbada. A audição, ao contrário dos outros sentidos, é o único que não pode gozar de momentos de descanso. Não se consegue desligar os ouvidos, e cada ser humano possui níveis de sensibilidade diferentes. Todos estes devem ser respeitados. Marcondes Lima é professor de Acústica do curso de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em conforto ambiental. Para ele, Fortaleza possui aberrações urbanistas, com aeroportos dentro da cidade e viadutos com fluxo de trânsito ao lado de hospitais. Para conter os desenfreados barulhos, só com muito planejamento e controle. (Tiago Coutinho)
O POVO - Como o senhor avalia a questão sonora nos espaços urbanos de Fortaleza?
Marcondes Lima - Na cidade, é preciso haver muito controle urbano, muita legislação para impedir que os ruídos indesejados sejam proibidos. Os nossos ouvidos não têm como paralisar o som. É uma intromissão e uma invasão de privacidade. Temos sons barulhentos, autos-falantes, além do som que o individuo gera e quer ouvir. Quando se fala ao microfone, quando se manifesta, as coisas com muita intensidade sonora isso nos invade. Todas essas buzinas que estamos ouvindo, carros com motores altos. São situações que têm que ser controlada.
OP - Mas a situação hoje de Fortaleza...
Marcondes - A situação hoje de Fortaleza é fora de controle. Nós temos um aeroporto dentro da cidade. (Passa um avião). Tá vendo, aí? Tá passando um avião que decola e aterrissa em cima de bairros residenciais altamente densos. É um erro grosseiro de planejamento. As pessoas sofrem várias vezes ao dia. À noite, acorda-se com o avião. Nós temos individualmente muitas variações de sensibilidade de audição. Tem gente que pode acordar só com o chiado do sapato de noite. Mas há de ter o respeito com as pessoas mais sensíveis. Elas têm direito. Nós temos em Fortaleza questões muito graves. Temos hospitais vizinhos a um viaduto. Isso é um absurdo urbano. A pessoa que está no hospital pode estar traumatizada em coma por um acidente que tenha sofrido. Se passa um carro e dá um freio, volta o trauma da pessoa. A acústica vai até a memória. Vai aos sentidos plenos do corpo. Se você está se aproximando de um hospital precisa mudar a velocidade, não pode buzinar. Não pode causar nenhuma intromissão indesejada.
OP - O senhor poderia dar exemplos dessas intromissões?
Marcondes - O descontrole urbano e a falta de planejamento se manifestam também no uso de ocupação de solo. Você ter uma oficina de carro ao lado ou de cano de descarga vizinho a sua casa é um infortúnio. É uma desgraça. Você não tem paz. Isso sem falar nos bares, que tocam música, nas festas promovidas, no Fortal, nos carros de som, das propagandas políticas, dos carros comerciais, do cara que vende seis bolas de soverte a um real. A avenida Beira Mar, por exemplo, as pessoas fazem propaganda de show de humor. Inclusive é uma coisa linear, cada um em uma bicicleta a cada 20 metros. Onde você estiver você escuta a propaganda. Ninguém pediu para ouvir aquilo. Tá sendo forçado. Isso é poluição, por todos os tecidos urbanos da cidade.

OP - Como pensar então uma questão de mudanças da cidade?
Marcondes - Precisa ter o controle urbano com competência. Essas coisas podem ser muito rápidas quando se quer, mas pode não vir nunca, como está sendo o caso. Tudo faz barulho. Essas motocas de menos de 50 cilindradas têm um som mais alto que um trem, um avião. Esse indivíduo é livre para andar onde quiser, às vezes, sem placa, com muita fumaça e muito barulho. E não presta conta a ninguém. Mas se alguém em vez de passar com 65 (km/ hora) passar com 67, vai ter um flash de alta tecnologia para multá-lo. (Toca uma buzina). Mas não tem uma capacidade tecnológica que multe esse cara que deu essa buzinada agora. A gente desenvolve tecnologia para um lado, mas não para outros.
OP - Diante desse diagnóstico, existem espaços com sons agradáveis em Fortaleza?
Marcondes - Não há nada feito para isso. Estamos agora na minha casa, mas parece que estamos em um lugar absolutamente descontrolado. Nós não temos áreas verdes, não temos grandes parques nem praça. Eu não sei como as praças desaparecem. As áreas verdes deveriam ser áreas de sossego. Em algumas cidades com planejamento, se eu estou exposto a um nível de ruído, eu posso imediatamente caminhar, chegar numa praça, num parque, ouvir os pássaros. Onde em Fortaleza se encontra isso? O urbanismo e a engenharia são para garantir o equilíbrio harmônico das funções de vida, moradia e trabalho nas cidades. Eu diria que fora da cidade tem coisas que me agradam: o som do mar, do vento, da chuva. Mas como ouvir isso na cidade? Misturado e invadido pelos sons dos carros, pelas propagandas?
QUAL SOM EU ESCUTO EM FORTALEZA?
O que mais ouço por cima de Bach, canto de pássaro, som de inseto e o "linguajeio" humano, é ruído de avião, dia e noite. Moro a 10 km do aeroporto, na Lagoa Redonda, e os aviões que lá no Pinto Martins fazem ninho e logo alçam voo saindo da cidade passam por cima da minha casa voando baixo e zoando grosso. Um aeroporto no coração da cidade, não é mesmo uma miséria? O pior é que uma ampliação do aeroporto está em andamento e o aumento do tráfego aéreo sobre Fortaleza resultará, quem duvida?, em um abuso sócio-ambiental bem expressivo... Ouviremos um som infernal caindo dos céus. Irônico isso, não é? Nos fins de semana ouço também, e sem querer, aqueles forrós alucinados sem controle que lá de longe cassam o silêncio das madrugadas e não deixam ninguém dormir... Avião e forró juntos é som pra ninguém botar defeito. Não é mesmo?
Hélio Rola, 72, artista plástico
Enviado por: Conceição Doeneles. Em 15 Abr 2009 - 02h56min

2 comentários:

  1. Concordo plenamente com o alerta do arquiteto Marcondes Lima, ao tratar do direito que todos têm ao sossego, ao descanso, ao silêncio, direito este cada dia mais violado abertamente.

    O interessante dessa garantia legal, é que ela é uma espécie de ausência: implica num obstáculo à ação das outras pessoas. Nos tempos atuais das grandes cidades e metrópoles ela se dá num "vazio", numa falta, num espaço, digamos assim intocado.

    Parece que nas sociedades industrializadas contemporâneas, nesta era capitalista do império globalizante em que vivemos, tudo faz barulho. Existe mesmo uma busca incessante em sua produção: são músicas em altos volumes nas lojas e nos restaurantes, nos clubes, nas academias, nos intervalos dos espetáculos teatrais e nos cinemas, nos estádios de futebol, onde há também o barulho das torcidas que atinge toda a redondeza; nas festas de aniversário e de casamento; são shows ao vivo em estádios que vão muito além de suas arquibancadas; são bares, boates e danceterias que invadem o espaço dos vizinhos etc.

    De fato, todo o sistema é assim. Há excesso de ruído por todos os lados: dos veículos nas ruas, das máquinas nas fábricas, das construções, das oficinas etc. Trata-se de um enorme amontoado de ações barulhentas, algumas ensurdecedoras, nem sempre em nome do tão sonhado progresso.

    Não posso deixar de fora os sons "privados" dos aparelhos eletrônicos domésticos que saem pelas janelas de apartamentos e casas perturbando os vizinhos com seus exagerados volumes. Enfim, os barulhos, ruídos, sons em altos volumes entram em nossas casas e apartamentos a toda hora sem pedir licença, violando esse nosso direito sagrado ao silêncio e ao sossego.

    É verdade que algumas pessoas até se acostumaram com isso e outras dizem que "gostam", mas o fato é que barulho não solicitado fere o direito sagrado ao sossego e pode gerar danos à saúde.

    Não abordarei um aspecto importante dos sons não pedidos, como a imposição dos estabelecimentos comerciais de que seus freqüentadores escutem as músicas por eles escolhidas (o que, por exemplo, em academias de ginástica e musculação pode ser altamente prejudicial não só pelo excesso de volume, como pela qualidade das músicas...). Tratarei do outro lado da questão: do direito ao silêncio, ao sossego e ao descanso, sagrados e que qualquer pessoa pode exigir.

    O direto ao sossego é correlato ao direito de vizinhança e está ligado também à garantia de um meio ambiente sadio, pois envolve a poluição sonora. A legislação brasileira é bastante clara em estipular esse direito que envolve uma série de transtornos já avaliados e julgados pelo Poder Judiciário.

    Por exemplo, o Judiciário já considerou que viola o direito ao sossego: a) o barulho produzido por manifestações religiosas, no interior de templo, causando perturbações aos moradores de prédios vizinhos; b) os ruídos excessivos oriundos de utilização de quadra de esportes; c) a utilização de heliporto em zona residencial; d) o movimento de caminhões que faziam carga e descarga de cimento, no exercício de atividade comercial em zona residencial; e) os ruídos excessivos feitos por estabelecimento comercial instalado em condomínio residencial; f) os latidos incessantes de cães; g) a produção de som por bandas que tocam ao vivo em bares, restaurantes, boates e discotecas; o mesmo vale para som produzidos eletronicamente etc.

    Anoto, antes de prosseguir, que o abuso sonoro reconhecido nas ações judiciais, independe do fato de, por acaso, ter sido autorizado pela autoridade competente. Num caso em que se considerou excessivo o ruído produzido pelo heliporto, havia aprovação da planta pela Prefeitura e seus órgãos técnicos; num outro em que se constatou que a quadra de esportes produzia excessivo barulho, a Prefeitura também tinha aprovado sua construção.

    Aliás, lembro que os shows produzidos em estádios de futebol e que violam o direito ao sossego dos vizinhos são, como regra, autorizados pela Prefeitura local. Alguns shows, inclusive, varam a noite e a madrugada, numa incrível violação escancarada. Realço que, nesses casos, a própria Prefeitura é responsável pelos danos causados às pessoas.

    Dizia acima que a legislação pátria é rica no tema. Muito bem. A Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941) no seu artigo 42 estabelece pena de prisão para aquele que "perturbar o trabalho ou o sossego alheios: com gritaria ou algazarra; exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda".

    Nesse último assunto, faço parênteses para dizer que, muitas vezes, o latido de cães mantidos em casa pode caracterizar outro delito, previsto já no art. 3º do antigo Decreto-Lei 24.645/1934 que dispõe que "Consideram-se maus tratos: I - Praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; II - Manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz". Essa antiga norma foi, posteriormente, incorporada na nossa legislação ambiental. A lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98) estebelece, no seu art. 32, prisão para quem "Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos"

    É essa mesma lei ambiental que pune severamente com pena de prisão o crime de poluição sonora. Seu art. 54 diz: "Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora".

    E o novo Código Civil Brasileiro, que entrou em vigor em janeiro de 2003, garante o direito ao sossego no seu art. 1277 ao dispor: "O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha".

    Nesse ponto, anoto que para a caracterização do delito penal de perturbação do sossego, a lei não exige demonstração do dano à saúde. Basta o mero transtorno, vale dizer, a mera modificação do direito ao sossego, ao descanso e ao silêncio de que todas as pessoas gozam, para a caracterização do delito. Apenas no crime de poluição sonora é que se deve buscar aferir o excesso de ruído. Na caracterização do sossego não. Basta a perturbação em si.

    Evidente que os danos causados são, primeiramente, de ordem moral, pois atingem a saúde e a tranqüilidade das pessoas, podendo gerar danos de ordem psíquica. Além disso, pode também gerar danos materiais, como acontece quando a vítima, não conseguindo produzir seu trabalho em função da perturbação, sofre perdas financeiras.

    Se você está sofrendo esse tipo de dano, saiba que pode se defender, fazendo uma reclamação na Delegacia de Polícia, indicando o nome e endereço do infrator ou pode, também, propor ação judicial para impedir a produção do barulho, para o que deverá procurar um advogado de confiança. Nessa ação pode ser requerido que o barulho cesse, sob pena de fixação de multa e pode ser pedida também a fixação de indenização pelos danos morais já causados até aquele momento.
    Carlos Eufrasio

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  2. Muito bem uma abordagem ótima com enfoque no Direito! Encaminhei para os queixosos de ruidos. Eles vão se sentir mais reconfortados
    Seria interessante o prof enviar para o Povo para que fosse publicado..è uma utilidade pública
    Abraços
    COnceição

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